FOXFIRE - RAPOSAS DE FOGO | 10 MAIO | 21H30 | IPDJ



 

FOXFIRE - RAPOSAS DE FOGO
Laurent Cantet
França/Canadá, 2012, M/14,143’

FESTIVAIS
Festival de San Sebastian - Melhor Actriz
Festival de Toronto - Seleção oficial

FICHA TÉCNICA
Título Original: Foxfire
Realização: Laurent Cantet
Argumento: Robin Campillo e Laurent Cantet
Baseado no livro Raposas de Fogo de Joyce Carol Oates
Montagem: Robin Campillo, Sophie Reine, Stéphanie Léger, Clémence Samson
Director de Fotografia: Pierre Milon
Música original: Timber Timbre
Interpretação: Raven Adamson, Katie Coseni, Madeleine Bisson, Claire Mazerolle, Paige Moyles, Rachael Nyhuus, Lindsay Rolland-Mills, Alexandria Ferguson
Origem: França/Canadá
Ano: 2012


ENTREVISTA AO REALIZADOR
O título original deste filme de Laurent Cantet, “Foxfire”, é o nome de batismo de um gang de raparigas que vão criar uma espécie de sociedade secreta. O objetivo delas? Sobreviverem, independentes, vingando-se das humilhações que lhes são impostas por uma sociedade machista. Estamos em 1955, numa pequena cidade suburbana americana a norte de Nova Iorque, tal como Joyce Carol Oates a descreveu, mesquinha, bolorenta, na sua novela homónima. Para a escritora, o seu grupo de adolescentes é uma irmandade de sangue, “a true outlaw gang” que também seduziu Laurent Cantet e o levou ao continente americano.
Esta é a sua sétima longa-metragem, filmada no outro lado do Atlântico [a rodagem foi no Canadá], em inglês. O que é que o levou a “Raposas de Fogo”?
É-me difícil identificar o momento exato em que vejo a luz ao fundo do túnel. Quando começo a trabalhar, começo por testar a minha vontade. Durante esse trabalho solitário decido então se me vou lançar ou não num novo filme.
Quanto tempo dura esse trabalho?
No caso de “Raparigas de Fogo”? Durou três anos e meio. É verdade que, neste caso, estava perante um livro que adoro e que me seduziu muito. Encontrei os temas que abordo habitualmente: o espírito de grupo, a luta, a resistência. Tudo o que me faz fazer cinema.
Acha que o modelo deste filme continua o que fez em “A Turma”?
Sem dúvida, eu tive vontade de continuar a experiência, de me confrontar outra vez com adolescentes nesse período da vida tão importante em que nos formamos, em que nos procuramos ao mesmo tempo que experimentamos fazer coisas novas. Eu posso imaginar as atrizes de “A Turma” no lugar das personagens de “Raposas de Fogo”.
É difícil evitar a nostalgia quando se faz um filme de época?
É difícil e, mais do que isso, é recomendável porque o passado que se reproduz no cinema é sempre um tempo fabricado e postiço. Temos sempre de partir do princípio de que um filme de época tem de estabelecer uma ponte com o presente. O respeito excessivo pela época em que um filme decorre pode estragá-lo.
Quis filmar esta história como se ela fosse de hoje?
Sim, e a um nível político essa é uma questão importante porque, infelizmente, os problemas com que aquelas raparigas se confrontam nos anos 50 são ainda problemas de hoje. As raparigas de “Foxfire” são irmãs longínquas das Pussy Riot. Quando elas grafitam a montra e escrevem que o dinheiro é igual a merda e igual a morte, isto podia estar a passar-se hoje em Moscovo, em Madrid ou em Atenas. Dito isto, os décors de “Raposas de Fogo” são indiscutivelmente americanos e anos 50. E exigiram-nos muito trabalho.
Porquê?
Porque são décors construídos para 360 graus, isto é: nós trabalhamos com duas câmaras que filmam as cenas integralmente, em permanente campo/contra-campo. Por exemplo, numa cena de exteriores, não podemos mostrar só um lado da rua.
“Raparigas de Fogo” é já a segunda adaptação ao cinema de “Foxfire: Confessions of a GirI Gang”. Viu a primeira? [realizada por Annette Haywood-Carter, com Angelina Jolie]
Não. Mas sinto que é um filme muito afastado do meu, apercebi-me disso pelo trailer, pelas imagens que vi. O que me interessa no livro é a maturidade que aparece naquelas raparigas, não a pequena aventura ligeira que, tanto quanto posso supor, o outro filme aborda.
Joyce Carol Oates gostou do seu filme?
Não sei. Enviámos-lhe um DVD. Ficámos à espera da sua reação. Não tivemos resposta.
Esta é a sua terceira adaptação de um romance...
Sim, mas não tenho uma fórmula, não penso em livros para fazer filmes. E estes são muito distintos. “Para o Sul” é uma adaptação muito livre do texto “La Chair du Maître”, de Dany Laferrière. Autorizei-me a acrescentar elementos e a interpretar coisas da minha própria estada no Haiti. Em “A Turma” houve uma fusão imediata ente mim, o meu coargumentista Robin Campillo e o autor do livro que também faz de professor no filme, François Bégaudeau. François tinha sido, de facto, professor, sabia o que era a vida numa sala de aula, tornou-se um suplemento de realidade precioso.
E no caso de “Foxfire”? Fui bastante mais fiel ao livro do que julgava, também porque este é mais romanesco. Tive uma empatia muito grande pelas personagens e quis reencontrá-las no cinema, descrevendo a linearidade do seu percurso.
A escolha do elenco de um filme é sempre um passo crucial e ainda mais neste caso porque o que está em causa em “Raparigas de Fogo” é a escolha, não de um ou dois atores centrais, mas de um grupo. Como é que decorreu esta fase?
E sempre muito complicado descrever um processo de casting. No meu caso, acabo sempre por deixar-me levar por uma simpatia pelas pessoas que descubro, é mais forte do que eu. Deixo-me seduzir. Deve haver uma energia, ou um sorriso, que bastam para me convencer mas o processo é muito intuitivo. Dito isto, eu vi tantas, mas tantas raparigas para os papéis que eu acho que poderia ter feito dez filmes diferentes com dez grupos de atrizes diferentes. A escolha final foi, por isso mesmo, quase arbitrária. Mas a sua pergunta toca num ponto essencial: era preciso que o grupo funcionasse. Tivemos que sopesar a personalidade de cada atriz selecionada, encontrar toda uma química entre elas que as repetições nos ensaios criou. Esta fase de troca entre o casting, o argumento e a descoberta das personagens levou-nos seis meses de trabalho.
Só uma das atrizes é profissional?
Sim, Tamara Hope.
Porquê?
Achei que a sua personagem, Marianne, necessitava de outro ritmo, de outra experiência, porque ela também vem de outro meio, encarna uma posição social estável. Todas as outras aparecem no ecrã pela primeira vez. Mas tenho de precisar isto: ao contrário dos atores amadores de “A Turma”, que foram selecionados no ateliê de uma fase de pré-produção do filme, todas as atrizes de “Raparigas de Fogo” já queriam, ou pelo menos sonhavam, tornar-se atrizes. Encontrámos a maioria delas em secções de teatro de liceus no Canadá, na zona de Toronto.
Ficou com muitas horas de rodagem para montar? É que temos a sensação de que a câmara estava sempre ligada.
Muitas. Este é o resultado de um método de trabalho só possível com o digital e que começou para mim com “A Turma”. Em vez de pedir a um ator que diga uma frase para mudar depois a posição da câmara prefiro ter duas câmaras a filmar em simultâneo, oferecendo aos atores a possibilidade de criarem a energia da cena, sem paragens. Filmamos pois a cena do início ao fim. Se esta tem 10 páginas, fazemos as dez páginas sem interrupções. Acontece-me mesmo falar durante as takes, dar pequenas indicações que depois são apagadas no som, “recomeça daqui, disseste isto mal”, coisas deste género...
Até que os atores se esqueçam das câmaras?
Exatamente. Os atores embalam-se na ação.
O seu filme anterior chamou-se em francês “Entre les Murs”, embora o seu título internacional tenha sido “The Class” [tal como o português: “A Turma”]. Acha que “Foxfire” assim será chamado em todo o lado? E o que gosta em particuIar deste título?
Para já, soa-me bem, mas percebo a sua pergunta: é que ninguém sabe exatamente, nem os anglo-saxónicos, o que “Foxfire” quer dizer ao certo. É uma palavra ambígua. Disseram-me que pode ser o fogo-fátuo, mas a palavra tem mais do que um significado. É uma palavra que precisa de ser completada.
Recentemente, também os franceses Michel Gondry ou Arnaud Desplechin sentiram a necessidade de ir filmar no continente americano. Tem alguma explicação para isto?
No meu caso, foi o romanesco do livro de Joyce Carol Oates que me levou. Acho que o cinema é uma maneira de explorar mundos que não conhecemos. Partir para outro país é uma motivação extra que nos convida a encontrar pessoas de quem vamos gostar, senti isso claramente na curta que fiz em Cuba para o filme coletivo “7 Dias em Havana”.
Francisco Ferreira, Expresso, 9/1/2016


CRÍTICA
Laurent Cantet realizou A Turma em 2008. O filme, que retratava o dia-a-dia de uma escola conturbada, foi Palma de Ouro em Cannes, recebeu grandes elogios e foi exibido como experiência pedagógica em muitas escolas. Foxfire foi o sucessor de A Turma. Estreou em festivais em 2012 e nas salas de muitos países europeus no ano seguinte, mas só agora chegou a Portugal. [...]
Foxfire pouco tem a ver com A Turma. No máximo, os protagonistas são, em ambos os casos, adolescentes à deriva na sociedade que os acolhe (ou “acolhe”). Mas tudo o resto é diferente: a língua, os horizontes geográficos ou o momento temporal. Estamos nos anos 50, numa pequena cidade americana e o filme é inteiramente falado em inglês. Acompanhamos um gang feminino numa sociedade machista. Lembramo-nos de Spring Breakers, mas o retrato aqui é mais sério. E do mais recente Bando de Raparigas, mas Foxfire é bastante mais incisivo e menos sensaborão.
Da pequena e mais básica noção de justiça, estas jovens partem para algo mais, guiadas por Legs, numa surpreendente interpretação da desconhecida Raven Adamson. Há uma aspiração de construir uma sociedade inspirada em ideias comunistas em pleno período da paranóia McCarthista. E é aqui que o idealismo se acaba por debater com algumas contradições. Por um lado, há uma lealdade e uma aspiração de liberdade. Por outro, há imposição, injustiça racial, falta de solidariedade e fecho ao exterior.
É nesse idealismo algo niilista que o filme tem, talvez, uma das suas maiores forças. E, nas origens dessa construção, há uma personagem muito peculiar, a de um padre convertido ao comunismo, que é pena não ter um papel mais forte. [...]
Seja como for, apesar de não ser um filme imaculado e nem sempre concretizar com primor os seus intentos, saliente-se o mais interessante. Tal como em A Turma, Cantet não dá respostas e abre caminho às nossas reflexões. Se no filme anterior eram de natureza pedagógica, agora são sobre religião, comunismo ou os mistérios da alma, com que o ciclo do filme se encerra, ao som de um belo tema dos Timbre Timbre. Com que encerra ou com se abre de novo. Sem quaisquer demagogias ou espírito panfletário.
João Torgal, arte-factos.net


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