O primeiro grande filme de Scorsese - MEAN STREETS, de 1973. Nunca viu? É na sede, 4ªf, 21h30, entrada livre.

UM dos filmes vividos por David Gilmour e o seu filho em Clube de Cinema (livro que foi apresentado por Graça Lobo).

OS CAVALEIROS DO ASFALTO foi a contribuição de Scorsese para lançar mais uma pedra contra Hollywood e com ela ajudar a reconstrução de Hollywood. MOVIE-BRATS, a geração de que fez parte com Coppola, Spielberg e Lucas, alcançava aqui um dos seus mais importantes títulos e firmava um dos seus mais carismáticos rostos: o de Robert de Niro.



Não é o primeiro filme dirigido por Scorsese, mas é o filme que o tornou notado como um dos jovens cineastas que emergiam no princípio dos anos 70, para depressa dominarem o panorama do cinema americano. Por isso, se quisermos utilizar o termo no seu sentido original, bem podemos afirmar tratar-se da sua obra-prima. Scorsese vinha cheio de vontade de cinema e o que é mais impressionante em Mean Streets é a evidência de um talento explosivo e multifacetado, ainda a disparar em díspares direcções, mas já a saber dar uma tonalidade forte ao cinema que lhe saía das mãos. Nisso, esta fita é porventura um protótipo que todos os candidatos a cineastas deveriam saber de cor.

À partida, uma história quase étnica, um grupo de amigos, na casa dos 20 anos, em Little Italy, que querem ser alguém: «gangsters», extorsionistas, pistoleiros, homens de mão - ou tão-só dirigir um restaurante. Mas, na realidade, como se tornaria quase uma norma na obra futura de Scorsese, uma história de pecado e redenção, através do personagem interpretado por Harvey Keitel que tenta segurar o amigo de se perder - e com ele acaba por caminhar para o abismo (e talvez, com isso, ganhar uma salvação que não é deste mundo mas do reino onde mora Francisco de Assis).


Scorsese filma esse mundo com um espantoso sentido de captação da realidade vivida (mesmo se muito do filme foi rodado em Los Angeles, o que desde logo indica que os processos do cineasta não são minimamente devedores da veracidade dos locais, mas de uma verdade outra, mais essencial), mesclando complicados movimentos de câmara, com efeitos de real assombrosos (ver a sequência do baile), utilizando os actores ora para erguerem um texto definido ora para se entregarem às volúpias da improvisação com mote. Scorsese usa, assim, uma multiplicidade de técnicas díspares, mas consegue o milagre de as harmonizar numa narrativa poderosa e vorazmente cinematográfica. Para tanto, útil será sublinhar o contributo dos actores, quase todos em princípio de carreira, como o realizador, todos eles com igual fome de notoriedade (foi a estreia de Amy Robinson, que depois se tomaria produtora, foi Mean Streets que firmou Robert De Niro - no ano seguinte ganharia o seu primeiro óscar com O Padrinho - Parte 2, de Coppola - assim como Harvey Keitel).
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Jorge Leitão Ramos, Expresso, 16/9/95


Os Cavaleiros do Asfalto é simultaneamente a conclusão dos anos de formação de Martin Scorsese e o seu primeiro grande filme. Pela última vez, ele usa material directamente autobiográfico e apoia-se num argumento que, mesmo tendo passado por inúmeras mãos - Mardik Martin ou Jay Cocks provém, antes de mais, da sua experiência. As cenas que mostram Charlie a rezar, as relações entre os jovens que vacilam perante uma carreira de bandidos, tudo remete para os registos que Scorsese fez da sua infância e da sua juventude.

Ele imprime a este material íntimo a marca de um grande cineasta muito seguro já da sua expressão, capaz de inventar longos planos fluidos para controlar uma desordem caótica numa sala de bilhar. Uma maneira de utilizar o movimento que não somente acompanha a acção, mas também a acelera. Em Os Cavaleiros do Asfalto há muitas figuras que se tomaram lugares-comuns do cinema popular - a utilização de câmara lenta fora de tempo, emprego da música, diálogos feitos de três palavras gritadas e repetidas incessantemente - que mal conseguimos imaginar, hoje em dia, o impacte que teve na época. Esta nova gramática da violência combina-se com uma inquietação metafísica impar em relação aos contemporâneos de Scorsese, mais preocupados com os comentários sociais. Último traço distintivo, Os Cavaleiros do Asfalto, filme ancorado na realidade contemporânea, é também salpicado pela História do Cinema em todas as suas formas de expressão. Descortinam-se excertos de O Túmulo de Ligeia (1965), uma das adaptações de Poe por Roger Corman, de A Desaparecida (1956), de John Ford, e de Corrupção (1953), de Fritz Lang.


O filme fica concluído no Verão de 1973. É acolhido com entusiasmo no festival de Nova Iorque. No ano seguinte, é seleccionado para a Quinzena dos Realizadores, em Cannes. Para grande alegria de Scorsese, a Warner aceita distribuí-lo e, nos Estados Unidos, Os Cavaleiros do Asfalto estreia-se em Outubro de 1973, sob a chancela que foi a dos grandes "filmes negros", Pauline Kael, a critica do New Yorker, conselheira da Nova Hollywood desde que defendeu Bonnie & Clyde contra o Sistema encarnado por Bosley Crowthers, o velho critico do New York Times, faz um panegírico do filme, dando a Os Cavaleiros do Asfalto o título de "melhor filme americano do ano".
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Thomas Sotinel, Martin Scorsese – Colecção Grandes Realizadores, Cahiers du Cinéma/Público



Título Original: Mean Streets
Realização: Martin Scorsese,
Argumento: Martin Scorsese, Mardik Martin
Montagem: Sidney Levin
Fotografia: Kent L. Wakeford
Interpretação: Robert De Niro, Harvey Keitel, David Proval, Amy Robinson, Richard Romanus, Cesare Danova
Origem: EUA
Ano: 1973
Duração: 112’



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