Os manifestos poéticos de Maio. E os outros dois da trilogia. SEMPRE EM CIMA DA JOGADA.

IPJ – 21H30 - Entrada 2€ Sócios, 3,5€ Estudantes, 4€ Restantes

CICLO MANIFESTOS POÉTICOS

DIA 2
O MÁGICO*

Sylvain Chomet
Reino Unido/ França, 2010, 80’, M/6
*Sessão para escolas às 10h30, entrada 1€

A partir de um guião original de Tati, o autor de "Belleville Rendez-vous" animou uma pequena elegia melancólica sobre o tempo que passa. Poesia em movimento. Tati sem ser Tati, Chomet sem ser Chomet, amalgamando elementos de ambos (e também da banda-desenhada clássica, com um perfume da "linha clara" franco-belga) para construir uma pequena elegia melancólica sobre um tempo perdido para nunca mais voltar. O filme é, cena a cena, visualmente espantoso, com panorâmicas de estarrecer e a colher do universo de Tati uma atenção inusitada aos detalhes, aos pequenos nadas do dia-a-dia, além de uma quase total ausência de diálogos, substituídos, na maioria das vezes, por expressões ininteligíveis. Mais ainda: há na relação entre as duas personagens centrais uma ternura, uma riqueza e uma complexidade não verbalizadas que deixam a perder a vista a maior parte do cinema que por aí vemos. Ou seja, pura magia cinematográfica.
Luís Salvado

DIA 9
O TIO BOONMEE QUE SE LEMBRA DAS SUAS VIDAS ANTERIORES

Apichatpong Weerastethakul
Reino Unido/ Tailândia/ Alemanha/ França/ Espanha, 2010, 113’, M/12

Palma de Ouro de Cannes 2010

Apesar da sua curta carreira cinematográfica, Apichatpong Weerasethakul é já reconhecido como uma das mais originais vozes do cinema asiático e mundial. As suas quatro longas-metragens e as suas curtas-metragens granjearam-lhe o reconhecimento internacional e diversos prémios em festivais pelo mundo fora. O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores complementa o projecto Primitiv de Apichatpong, que tem a ver com a ideia de extinção e da memória de vidas passadas.
Não é preciso muito tempo, bastam dois ou três planos (até que o boi amarrado se solte e se aventure por uma floresta filmada em "noite americana", ou que assim parece) para se ter a sensação, muito clara, muito nítida, mas também, como dizer, muito calma, de que "O Tio Boonmee que se Lembra das suas Vidas Anteriores" é uma espécie de janela que alguém abriu, uma corrente de ar fresco soprada sobre a tristíssima avalanche de entulho que semanalmente se abate sobre o chamado "circuito comercial".
É um filme extraordinário, em todos os sentidos da palavra, um filme que devolve o cinema à sua (quase) esquecida vocação demiúrgica. É verdadeiramente um filme de "criação", de criação de um "mundo".
É assim tão especial, como são especiais os momentos, cada vez mais raros, em que sentimos o cinema a reencontrar-se consigo próprio.
Luís Miguel Oliveira

DIA 16
A CIDADE DOS MORTOS

Sérgio Tréfaut
Portugal, 2010, 63’, M/12

Na vastidão do cemitério El Arafa, no Cairo, existe uma cidade com um milhão de habitantes que vivem em edifícios construídos entre túmulos e mausoléus. Há funerais todos os dias, enquanto à sua volta a vida decorre normalmente nas padarias, cafés, mercados e escolas. Tudo dentro da maior necrópole do mundo. A Cidade dos Mortos é gigante, mas parece uma pequena aldeia, onde um jovem pastor leva o seu rebanho pelas ruas estreitas, uma mulher tenta vender alguidares de plástico e as crianças brincam por entre as lápides, com os seus papagaios voadores. Este filme apresenta-nos vários aspectos deste estranho e maravilhoso enclave. Observamos as sepulturas cor de areia, com a sua beleza e serenidade, em simultâneo com a agitação de um lugar onde uma população predominantemente pobre luta para sobreviver. Os movimentos da câmara são calmos e comedidos, tal como a voz que descreve os atractivos desta cidade dos mortos, onde o ritmo da vida é definido pelo Corão. Alá pode ser omnipresente, mas isso não impede ninguém de se encostar a uma sepultura e de arrotar, insultar pessoas que passam ou falar abertamente do desejo de ter sexo antes do casamento. Como diz uma local “viver tão perto dos mortos só pode trazer sabedoria”. Preparado e rodado ao longo de cinco anos (2004-2009), este filme procura dar a ver a alma invisível do cemitério. Seleccionado para dezenas de festivais de cinema documental, obteve o Grande Prémio Documenta Madrid 2010.
Festival Indie Lisboa

DIA 23
POESIA

Lee Changdong
Coreia do sul, 2010, 139’, M/12

Lee Changdong filma o seu argumento premiado pelo Festival de Cannes o ano passado, mais uma vez, como acontecia, por exemplo, em Oasis (premiado no Festival de Veneza, em 2002), com emoção e profundidade e desejo de reflexão. Esta mulher que não sai de cena (a extraordinária Yun Jeong-hie), a braços com um neto insolente que se torna criminoso ao participar numa violação colectiva, um grupo de pais empenhado em abafar o crime e um patrão prepotente; esta velha a lidar ainda com os seus próprios sinais de Alzheimer, que luta para aprender poesia, é, mais do que um símbolo de um mundo em extinção, um exemplo de vida que o realizador acolhe no seu desejo de trazer a realidade para o cinema. O que faz de maneira lírica e delicada, sem retórica florida nem desejo de propaganda, instilando talvez mais do que insinuando, acrescentando humanidade onde geralmente só existe desdém, dando a ver em imagens rigorosas e pungentes outro lado do quotidiano, uma faceta onde juventude, beleza e saúde não evocam fogos de artificio.
Rui Monteiro

DIA 30
MEL

Semih Kaplanoglu
Turquia/Alemanha, 2010, 103’, M/12

Urso de Ouro em Berlim 2011

Um filme turco cheio de palavras ausentes nesta história sobre um menino gago, o seu pai único, as abelhas, o faisão e a poesia a germinar no silêncio da contemplação. Todo o filme é-nos transmitido através daquilo a que o próprio realizador chama, paradoxalmente, "realismo espiritual". Sempre na perspetiva de quem vê o mundo a um metro do chão. E é nesta perpendicularidade, entre a verticalidade das árvores enormes da floresta onde o pai assaltava colmeias, e o olhar horizontal no miúdo, que se encontra um ponto qualquer onde se formam as "origens da alma", na palavras do realizador. Ou se vai incubando, fermentado, acumulando, cozinhando com leite, mel e ovos, o armazenamento vocabular e sensorial de um poeta que ainda não sabe que o será porque ele apenas é um poeta em construção. Diz-se que a palavra pode ter a valência de mil imagens e não o contrário, e produzir um efeito impactante, mas a pausa - no momento certo, na hora e no local certos produz um efeito ainda mais estrepitante. Por isso, este é um filme de pausas cheias de poesia lá dentro. E a poesia, como se sabe, é feita da mesma matéria com que se constroem os sonhos. E não por acaso o filme acaba com o miúdo a dormir, no meio da imensa e misteriosa floresta, cheio de "brancos pavores", tão líquidos como o rio que corre ali perto. E cita-se uma frase maravilhosa em latim, que condensa todo o filme - soa muito melhor em latim, mas a tradução impõe-se: Altissima quaeque flumina minimo sono labi, os rios mais profundos correm sempre com menos ruído.
Ana Margarida de Carvalho

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Continuamos a propiciar chá, café e bolinhos na nossa sede… a acompanhar filmes! Pois SE Mel é o terceiro elemento de uma trilogia (o único estreado em Portugal), e se só se pode 'apreendê-lo' na sua plenitude conhecendo os dois primeiros... qual é a função de um cineclube, qual é? :-)

SEDE CINECLUBE DE FARO - 21H30 - ENTRADA LIVRE – LOTAÇÃO 25 LUGARES

CICLO OS OUTROS DOIS DA TRILOGIA

DIA 11
OVO
, Semih Kaplanoglu, Turquia, 2007, 97’, M/12

DIA 25
LEITE
, Semih Kaplanoglu, Turquia/França/Alemanha, 2008, 102’, M/12

Palavras do realizador:
MEL é o terceiro filme da minha “Trilogia Yusuf”. A ideia para esta trilogia começou a formar‐se quando estava a rever um guião, que tinha escrito há muito tempo, sobre a história de Yusuf durante os seus anos de universitário em SÜT / LEITE. Enquanto estava a elaborar esta personagem dei por mim a especular sobre como seria o seu futuro enquanto adulto (YUMURTA/OVO) e acerca de como teriam sido o passado e a infância do rapaz (BAL/MEL). Estas ideias ajudaram a moldar a trilogia. Comecei com YUMURTA/OVO, talvez porque a minha intenção fosse ir descobrindo a personagem em camadas, até chegar ao centro. Toda a trilogia pode ser vista como um extenso flashback. Nenhum dos filmes pode ser considerado de época: todos eles decorrem na actualidade, em diversos ambientes e escalões económicos turcos. Perguntam‐me se todos estes Yusufs são, efectivamente, a mesma personagem. Opto por não responder para não denunciar os seus segredos, a relação directa e indirecta entre os filmes, os mistérios da trilogia.
Semih Kaplanoglu

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