Desassossego - parte 4, a raiva dos iluminados de jorge leitão ramos

Dia 26, 21h30, Grande Auditório de Gambelas

Com o apoio da Reitoria da Universidade do Algarve

FILME DO DESASSOSSEGO, de João Botelho

PRESENÇA DO REALIZADOR (mesmo!) e do protagonista CLÁUDIO DA SILVA

Preços: Sócios e Estudantes - 4€ / Restantes casos - 5€

Bilhetes já à venda (sede ao lado da Zara, 2ªf, 3ªf e 4ªf, 10h30-12h30 / 14h30-17h30, e sessões IPJ às 2ªf 21h30)


Às 18h, no Clube Farense, encontro com Richard Zenith e João Botelho. Organização da UAlg. Entrada livre.

O livro de Bernardo Soares não tem transposição fílmica possível. Como todas as obras de arte, é algo de intraduzível, pois depurou uma linguagem até ao cristal. Mais: na perfeita indefinição de género (não é romance, nem poesia, nem ensaio, antes uma prosa que edifica uma perturbação de sentidos) não se pode saber nunca o que o "Livro do Desassossego" pede como rima. O que João Botelho intenta é um instalação na bruma frondosa desse monumento pessoano, uma catedral de névoa. E consegue-o, mercê de um filme onde fragmentos de ficção dão suporte de atenção ao que, deveras, é do domínio não só do indizível (é impossível contar o "Filme do Desassossego"), mas, muitas vezes, do insignificável.

As imagens, os sons, as palavras acontecem numa massa que é melopeia, projetando o nosso entendimento para lugares onde, é uso, só a poesia chega. Não tem uma história, tem visões - que tanto podem ter a cor de uma ópera tocada e cantada entre pedras na serra de Sintra como o marulhar do Cais das Colunas, mendigos derramados pelas arcadas do Terreiro do Paço, plácidos diante de um fado improvável que irrompe ou burgueses a desandar em briga ébria nas ruelas e bares do Cais do Sodré. E mergulha-no numa beleza visual que, evidentemente, já sabíamos pertencer aos instrumentos expressivos de Botelho, mas nunca pareceu tão justa como aqui. Para mais, os seus atores - imensa galeria de notáveis - foram postados em atitude artificialista, propiciando que, mesmo quando as falas têm uma significação direta, se sinta sobretudo a espessura das palavras. Ao ver este filme, é possível convocar diversas figuras tutelares - Greenaway e Syberberg serão as mais óbvias, mas não será idiotice dizer que também Duras e Jarman, Cesário Verde e Pablo Picasso -, contudo o que mais gosto nele é a sensação de que o cineasta transformou influências em algo de profundamente original, de tal maneira que, mesmo quando evoca, nunca está a fazer "à maneira de..."

Há muitos anos, levei uma criança pequena a uma peça teatral fascinante, mas em manifesto desajuste com a sua idade. No fim disse-me "não percebi nada, mas gostei tanto!" É esse risco de imergir num universo embriagador sem que, por estatuto, seja acompanhado de compreensão, que João Botelho pede neste filme. Entre poesia, ópera, mulheres nuas, decadentismo, uma Lisboa desmanchada e uma prosa sublime. Fazendo-nos caminhar às apalpadelas e em estado de maravilhamento num território que é tão reconhecível como a nossa casa e tão estranho como um sonho caprichoso.

E que bom é fitar o cinema português outra vez de pé, outra vez a desafiar o público para um grande salto! Há neste filme de João Botelho uma tão grande vontade de romper com o status quo em que se despenhou a maior parte da nossa cinematografia dos últimos anos - e o país também, está bom de ver - que eu avisto facas nos dentes, um olhar assassino, uma bomba de manufactura caseira, mas muito eficiente, nas suas entranhas. Uma arte feita com a raiva dos iluminados que levam tudo à frente.

Jorge Leitão Ramos, Expresso



2 comentários:

Anónimo disse...

Já não estão a vender bilhetes para o filme?

cineclube de faro disse...

claro que estamos... esperamos esgotar a sessão, mas tal ainda não aconteceu...

reserve através de ccf@cineclubefaro.com

ou, melhor ainda, vá à sede, se puder, na 6ªf (amanhã estamos fechados)

morada e horário na barra lateral